Saúde Mental foi o tema do Fórum presencial e on-line organizado pela ANAMT e a ANAMT-ES nos dias 11 e 12 de abril. Ao longo dos dois dias foram apresentadas palestras com debates, mesas-redondas e relatos de casos sobre os principais assuntos relacionados aos riscos psicossociais.
A programação antecipa questões e dúvidas relacionadas à atualização da NR 1, em vigor a partir de 26 de maio e que passa a exigir medidas para prevenção, identificação e monitoramento dos fatores de riscos psicossociais nas empresas. O encontro presencial foi realizado no SESI, em Vitória (ES) e a audiência on-line se reuniu na plataforma ANAMT Virtual.
Dra. Rosylane Rocha, diretora científica da ANAMT, deu as boas-vindas aos participantes, junto com Dr. Antônio Carlos Gavazza, presidente da ANAMT/ES, e explicou que a realização do Fórum faz parte da programação da Associação. Os fóruns anteriores contaram com a parceria da ALMET e a SBMT, federadas de Alagoas e Bahia, em 2024. Ela destacou a programação científica do 22º Congresso Nacional da ANAMT, que será realizado de 1 a 4 de outubro, em Goiânia (GO).
No primeiro dia do Fórum, foram realizadas duas palestras. A primeira foi “Panorama da Saúde Mental no Brasil sob a ótica da Medicina do Trabalho”, tema apresentado pelo Dr. Francisco Cortes Fernandes, presidente da ANAMT. A segunda exposição contou com a psiquiatra Dra. Letícia Trés, sobre ‘Riscos Psicossociais: Estressores Ambientais X Estressores Individuais para o Adoecimento Mental”.
Ao dar início à exposição, Dr. Francisco apresentou a contextualização teórica, dados demográficos, dados epidemiológicos, dados Previdenciários, SmartLab do Espírito Santo e a conclusão do conteúdo tratado.
Ele iniciou a apresentação com o Informe Mundial de 2022 sobre saúde mental da OPS, que destaca que “a saúde mental é parte integrante de nossa saúde e bem-estar e um direito fundamental.” Segundo a instituição, fatores individuais, familiares e sociais podem modificar nossa posição neste processo, mas, em síntese, existem ações importantes para tratar os indivíduos, como os serviços de saúde mental integrados à assistência médica; serviços comunitários de saúde mental e serviços sociais de suporte.
Diante da atualização da NR 1, Dr. Francisco falou sobre as definições em saúde mental, dos problemas de saúde mental e dos transtornos mentais. Também comentou sobre as dificuldades de encontrar estatísticas e informações sobre o tema para respaldar aos médicos de trabalho que passarão a monitorar as questões de saúde mental. “Os dados que temos no Brasil são muito ruins. A Previdência Social, que seria uma fonte de muito auxílio, tem esse problema”, ressaltou.
A prevalência no mundo foi outro ponto destacado. Em 2019, pesquisa do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), aponta que 970 milhões de pessoas têm transtornos mentais, o que representa 13% da população mundial, sendo que 52,4% são mulheres e 47,6%, homens. Do total, 31% correspondem a transtornos de ansiedade e 28,9%, a transtornos depressivos.
Entre as dez principais causas de anos vividos com incapacidade no mundo, destacam-se em primeiro lugar as dores nas costas e no pescoço e em segundo, os transtornos depressivos. Ocupando o sexto lugar, transtornos de ansiedade.
Segundo a OIT, estresse, longas jornadas de trabalho e doenças contribuem para morte de cerca de 2,8 milhões de trabalhadores todos os anos no mundo e 374 milhões de pessoas ficam doentes e feridas por conta de seus empregos, o que representa 22% da população mundial estimada. O Brasil registrou 2.888 mortes por acidente de trabalho em 2023. No período foram sete mortes por dia, segundo o World Meter.
A psiquiatra Dra. Letícia Trés apresentou a segunda conferência do dia, sobre “Riscos Psicossociais: estressores ambientais X estressores individuais para o adoecimento mental”. Com base em matéria do Portal G1, com dados da Previdência Social, ela apresentou os números de afastamentos por saúde mental no Brasil. Houve um salto de 68% entre 2023 e 2024, o que chamou a atenção. “Isso é um caminho sem volta, uma tendência”, destacou a psiquiatra.
Em 2023, mais de 283 mil trabalhadores foram afastados de seus empregos por adoecimento mental. Em 2024, foram mais de 472 mil trabalhadores. Desse total, cerca de 141 mil foram afastados por ansiedade enquanto mais de 113 mil por depressão.
“Se tivermos que fazer uma triagem, é o transtorno ansioso e depressivo que são os principais. Pega uma gama de funcionários e consegue fazer intervenções que vão ter mais impacto,” sugere a médica especialista.
Do total, mais de 301 mil são mulheres e mais de 170 mil, homens. Em ambos os casos, a média de idade é de 41 anos e o transtorno mais comum é ansiedade. “Os homens ficam mais tempo afastados do que as mulheres porque demoram mais a pedir ajuda e as doenças psiquiátricas cronificam.”, frisou Dra. Letícia Trés. A OMS estima que 12 bilhões de dias úteis sejam perdidos globalmente, todos os anos, devido à depressão e ansiedade. “Perda evitável”, pontuou.
“Com a atualização da NR1 tem muitas peças de um quebra-cabeça solto. Tem muitos conceitos divergentes e precisa alinhar o pensamento”, destacou a psiquiatra. “Só conseguiremos isso conversando, trocando, compartilhando”. Tem muitos conceitos divergentes. Dependendo do que lê, é uma coisa diferente da outra”, observou Dra. Letícia.
A médica explicou que os estressores ambientais, como o trabalho, e os estressores individuais são complementares no adoecimento mental do trabalhador. Não existe consenso sobre metodologia eficaz e validada a ser usada para essa mensuração, mas ao customizar o máximo as avaliações, maior será a possibilidade de ajudar a proteger a saúde mental dos funcionários, avalia a especialista.
Entre outros tópicos da palestra, Dra. Letícias Trés destacou que os exames ocupacionais devem ser feitos de forma detalhada, criteriosa e buscando pelo rastreio do adoecimento mental de forma precoce, seguido do encaminhamento para médico psiquiatra. “Devemos buscar compor equipes multiprofissionais com médico psiquiatra. O adoecimento mental não tratado mata”, ressaltou.
O segundo dia da programação do Fórum teve início com os temas ‘Prevenção do Estresse/Burnout para Médicos do Trabalho’, ‘Transtornos de ansiedade, quando se tornam um problema de fato?’ e um relato de caso.
A primeira conferência foi realizada pelo Dr. Ruddy Facci, que abordou o tema ‘Prevenção do Estresse / Burnout para Médicos do Trabalho’. Ele explicou como o termo “estresse” foi adaptado da mecânica para a medicina e que de lá para cá surgiram várias definições do termo. “Nós sabemos, principalmente em medicina, que quando algo tem várias definições, nenhuma delas é completa e satisfatória”, comentou o especialista.
Ter estresse é bom até certo limite, ressaltou Dr. Facci, que explicou que é possível medir o estresse ao citar que a Universidade Americana Carnegie Mellow University, de Pittsburgh (USA) desenvolveu uma metodologia.
Ao longo da apresentação, apontou exemplos de situações estressante, causado por monotonia, como aposentadoria, capacidade maior do que a tarefa que desempenha no trabalho, entre outras. Por outro lado, há o estresse causado por sobrecarga, como ritmo de vida competitivo, responsabilidades maiores que a capacidade, ambiente de trabalho tenso e outros.
Dr. Ruddy Facci apresentou conceitos matemáticos capazes de mensurar o desempenho e a relação entre as exigências de natureza psíquica e a sua estrutura psíquica. Quando a exigência é igual a estrutura psíquica, dividindo o numerador pelo denominador e o resultado der um, tenho o que se chama de eustress, que é o estresse bom. A pessoa está totalmente ajustada. Quando for menor que um, ou seja, a exigência é muito pequena para a estrutura mental, pode ocorrer o estresse por monotonia. Quando for maior que um, é muita exigência para a capacidade mental, resulta em estresse por sobrecarga. Dra Facci destacou as formas de cuidar do estresse e abordou as questões relacionadas ao burnout.
Por sua vez, a palestra realizada do psiquiatra Dr. Henderson Schwengber tratou sobre o tema ‘Transtornos de ansiedade, quando se tornam um problema de fato?’. Ele explicou que todos experimentam a ansiedade porque é do sentimento do ser humano, que pode ser conceituado como uma antecipação de um perigo futuro do ponto de vista do inconsciente.
“Quando fala de ansiedade e medo tem que retirar aquela noção inerente de que se trata de fenômeno psicopatológico. Pode se tornar, mas não é inerentemente psicopatológico”, disse o psiquiatra. Por outro lado, a falta de ansiedade também pode ser um sinal de patologia, como acrescentou o especialista.
Após uma visão geral sobre ansiedade e sobre os tipos de transtornos da ansiedade, ele destacou três grupos de ansiedade clinicamente relevantes que podem ser observados no ambiente laboral, como pessoas com ansiedade não relacionadas ao trabalho, pessoas com quadros de ansiedade não relacionados ao trabalho mas com fobia ao ambiente laboral e, por último, trabalhadores apenas com fobia ao ambiente laboral.
Por fim, Dr. Henderson Schwengber falou sobre prevenção ao destacar que a organização do trabalho como um todo terá um papel importantíssimo na saúde mental dos trabalhadores.
Em seguida, Dr. Fernando Akio, diretor médico da América Latina da P&G, apresentou um relato de caso.
Na segunda mesa redonda do Fórum, sobre Exame Médico-Ocupacional, Dra. Letícia Trés abordou o tema Restrições e inaptidão laborativa nos casos de Transtornos de Humor. A médica pontuou os tipos de transtornos conhecidos, como o transtorno afetivo bipolar (TAB), sobre o qual explicou os sintomas, diferenças em relação à esquizofrenia para fazer o encaminhamento adequado para o psiquiatra e quadro comum dos pacientes que procuram ajuda, como estarem na fase depressiva.
A palestrante também abordou o TAB IV, de temperamento hipertímico com quadro depressivo. Segundo ela, os casos são comuns nas empresas e confundidos com síndrome de burnout. As medicações usadas e os desafios relacionados aos transtornos, como diagnósticos errados, abandono de tratamento e psicofármacos sedativos foram alguns exemplos citados.
Dra. Letícia ainda falou de orientações para o exame clínico de estado mental, como seguir avaliações como nível de consciência, aparência e comportamento geral, além dos quadros que devem ser excluídos para evitar diagnósticos errados. Ela ainda lembrou que a capacidade laborativa avaliada é para a função em questão. A especialista ainda tratou dos pontos a serem avaliados nos exames admissional, periódico e demissional. Em seguida, Dra. Maria das Graças fez um relato de caso.
A Análise dos Fatores Psicossociais como Ato Médico foi o tema da conferência apresentada por Dr. Ricardo Turenko, diretor de Relações Internacionais da ANAMT. Ele falou sobre as mudanças na NR 1 no âmbito dos fatores psicossociais, cuja forma de tratar deve ser semelhante a outras ocorrências, como LER/Dort. A integração das NRs 1 e 17, segundo o palestrante, possibilita uma sistemática de acompanhamento, o que facilitaria o trabalho da especialidade. “O papel do médico do trabalho é coordenar uma equipe multidisciplinar. Cuidamos de uma população, que somos gestores”, destacou.
O palestrante também destacou a importância da participação dos trabalhadores no processo. “Se ele não entender o porquê algo está sendo feito, não vai ajudar”, explicou. Sobre os riscos psicossociais, Dr. Turenko observou que eles podem ser positivos ou negativos, mas é preciso entender quais deles afetam a realidade da população em questão. Ele ainda enumerou os sintomas comuns da área e destacou a importância de treinar para identifica-los e fazer os diagnósticos corretamente. Entre os casos mais comuns, estão depressão, transtornos de ansiedade, transtorno de adaptação e transtorno de estresse pós-traumático. Sobre síndrome de burnout, o especialista pontuou que, para desenvolvê-la, o indivíduo deve ter características de personalidade específicas além do contexto ocupacional.
Dr. Turenko ainda abordou a importância do apoio da liderança das empresas para a implementação dos programas de prevenção e a obtenção de certificações e capacitações pelos médicos do trabalho para fazer a tratativa correta e padronização das ações.
O Fórum Presencial e On-line da ANAMT e ANAMT-ES continuou com a mesa redonda sobre Transtorno do Espectro Autista (TEA), com apresentação do Dr. João Guilherme Marchiori, que abordou As implicações médico-legais do diagnóstico de TEA. O psiquiatra apontou o quadro de “banalização do diagnóstico do TEA” e a necessidade dos profissionais se munirem da base do diagnóstico do autismo, como o DSM-5, para tomar as melhores decisões. Segundo ele, é preciso que o transtorno produza prejuízo em partes importantes da vida do indivíduo e que os sintomas sejam presentes desde o começo da vida. Ele explicou que a base legal para o enquadramento das pessoas com TEA como pessoas com deficiência teria distorções, o que teria contribuído para o aumento de enquadramentos inadequados.
Nesse contexto, Dr. Bruno Coutinho, que falou sobre Enquadramento do TEA na Perícia Administrativa, abordou os desdobramentos das negativas dadas nas perícias, como denúncias no CRM-DF e judicialização de casos. Entre as medidas adotadas, estão a paralisação temporária das perícias, reuniões com o CRM-DF e um parecer da Procuradoria Geral do Distrito Federal, que reitera a posição de que nem toda pessoa com TEA pode ser considerada pessoa com deficiência.
Ele ainda elencou os passos do processo de perícia, como análise documental, laudo neuropsicológico, avaliação clínica ocupacional e funcional, entre outros procedimentos.
A última conferência do Fórum Presencial e On-line da ANAMT e ANAMT-ES foi ministrada por Dr. Luiz Zoldan, que falou sobre O que são riscos psicossociais e seu mecanismo de ação no adoecimento?. Ele pontuou que esses riscos já estavam presentes na maioria dos modelos usados, mas sem menções claras. O palestrante também explicou que os fatores psicossociais interagem com outros aspectos, como hábitos individuais, expectativas do trabalhador e o ambiente pessoal de cada um.
Segundo ele, os fatores psicossociais requerem mais estratégias de recursos e enfrentamento, o que gera mais exaustão, o que impacta na saúde. Entre os principais fatores, estão excesso de carga e ritmo de trabalho, pouca autonomia e controle sobre as tarefas e relações interpessoais inadequadas ou desrespeitosas. Como o estresse constante, outros desdobramentos como sintomas depressivos e distúrbios do sono podem impactar a saúde. Além disso, o palestrante pontuou que, além do estresse ocupacional, o estresse da vida diária pode interagir.
Assim, ele citou boas práticas para reduzir os riscos psicossociais, como equilíbrio da carga de trabalho, redesenho do trabalho, processos e metas, promoção de liderança empática e escuta ativa, reconhecimento e valorização frequente, entre outras iniciativas.
O evento foi encerrado por Dr. Antônio Carlos Gavazza, presidente da ANAMT-ES.