Primeira barragem de urânio do Brasil: entenda os riscos de rompimento

A primeira barragem de exploração e trabalho de urânio do Brasil, localizada em Caldas, na região Sul de Minas Gerais, não tem garantia de estabilidade, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM). Além disso, um estudo da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) apontou que um sistema da barragem está comprometido, causando risco de erosão e, consequentemente, de rompimento.

A barragem de rejeitos da unidade pertence às Indústrias Nucleares do Brasil (INB), empresa pública, ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e que recebe verbas do Governo Federal. A área ocupa um espaço equivalente a cem Maracanãs, contendo lixo radioativo com urânio, tório e rádio.

Ao todo, são cerca de 12,5 mil toneladas de resíduos, que sequer começaram a passar pelo processo de descomissionamento – procedimento para a desativação de uma instalação nuclear ao final de sua vida útil. A medida, inclusive, é um pedido antigo da Justiça.

Todo esse material começou a ser armazenado a partir de 1982, quando o urânio passou a ser explorado e enviado para a usina de Angra 1, em Angra dos Reis (RJ). Foram 13 anos de acúmulo, até que a atividade foi encerrada, em 1995, por não ser mais “economicamente viável”, conforme a própria INB.

Desde então, a unidade passou a funcionar principalmente de forma administrativa, com o monitoramento constante da radioatividade nas águas que passam pela área e solo da região e com laboratórios de processos e análises ambientais.

Mas com o processo de descontaminação parado, os riscos em caso de rompimento seguem rondando os moradores da região e, recentemente, o Ministério Público Federal (MPF) pediu a criação de um plano emergencial para a barragem.

Mas quais são os riscos na região? Que material é esse? Confira ponto a ponto o que se sabe sobre a barragem de rejeitos e o trabalho da INB em Caldas.

Unidade da INB

A área conta com o parque industrial desativado, bacia de rejeitos e de águas claras, depósito de armazenamento de materiais radioativos (com aproximadamente 12 mil toneladas de torta 2, formada por urânio e tório concentrados), além dos laboratórios de análise e área administrativa.

Exploração de urânio

Entre 1982 e 1995, foram produzidas 1,2 mil toneladas de concentrado de urânio (também conhecido como yellowcake). Atualmente, a antiga mina a céu aberto deu lugar a um enorme lago de águas ácidas, que se formou no fundo dela, com cerca de 180 metros de profundidade e 1,2 mil metros de diâmetro.

Existe outra barragem na unidade da INB em Caldas?

Sim, a barragem de águas claras. Ela foi construída para armazenar a água que seria usada no processo de mineração e tem um volume de 3,9 milhões de m³. Essa barragem também não tem garantia de estabilidade e apresenta mais riscos de rompimento, segundo a Agência Nacional de Mineração. De acordo com a INB, essa água é monitorada e não apresenta risco de contaminação.

E qual o volume da barragem de rejeitos? Todo o material é radioativo?

A barragem de rejeitos tem praticamente a metade do tamanho da barragem de águas claras, com 1,97 milhões de m³ – cerca de um sexto da quantidade de Brumadinho, que tinha 12,7 milhões de m³. Ela é composta por líquidos e sólidos, com a presença de urânio e tório, que são radioativos, além de outros elementos, como alumínio, manganês e zinco.

Mas por que enriquecer urânio? Como é feito?

O processo é feito por meio da quebra de átomos para deixar o urânio mais concentrado, aumentando assim a energia adquirida na fissão. Segundo a INB, apenas 12 países fazem o enriquecimento no mundo: China, Estados Unidos, França, Japão, Rússia, Alemanha, Inglaterra, Holanda, Brasil, Índia, Paquistão e Irã.

E quais foram os problemas encontrados?
O estudo da Ufop foi encomendado após o aparelho de captação de água do reservatório apresentar um problema em setembro de 2018. O laudo apontou a necessidade de desativação desse sistema extravasor para a construção de um novo, mais moderno.

Segundo a empresa, o problema foi comunicado ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Depois o serviço de substituição foi contratado em caráter emergencial em dezembro de 2018. As obras já começaram e o término está previsto para maio de 2019.

O que aconteceria em caso de rompimento?

As duas barragens atingiriam rios que cortam a região. A de rejeitos, cairia no Ribeirão Soberbo e seguiria até o Rio Verde, depois chegando à cidade de Caldas. Já a Represa de Águas Claras atingiria o Ribeirão das Antas e seguiria cerca de 25 km até Poços de Caldas.

Recentemente, representantes de 27 cidades do Sul de Minas, do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), da Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram), do Corpo de Bombeiros e também da INB participaram de um encontro para tirar dúvidas sobre esse risco.

Mas então por que o descomissionamento ainda não foi feito?

Segundo a empresa, o plano para descomissionar a área foi apresentado para o Ibama em 2011. No ano seguinte, ele foi aprovado e seguiu para o CNEN. Agora o Plano de Recuperação de Áreas Degradadas, como é chamado, está em andamento “com medidas que visam garantir a segurança do trabalhador, da população e do meio ambiente”.

Ainda conforme a INB, essas medidas “constam do Plano de Proteção Radiológica (PPR), Plano de Monitoração Ambiental (PMA) e Plano de Monitoração Ocupacional (PMO) da INB” e para realizar o descomissionamento, “a empresa precisa realizar essas ações anteriores”. O processo é longo e está sendo acompanhado pelo MPF, mas não tem um prazo para ser concluído.

Plano emergencial

Após o estudo da Ufop, o MPF pediu à INB para informar a população da região sobre os riscos e as medidas de segurança a serem tomada em caso de rompimento da barragem. A INB começou, então, a cadastrar os moradores das áreas próximas para traçar um perfil de casos especiais e estruturar o plano, que deve ser apresentado no dia 30 de março.

O que diz o Ministério Público Federal

Procurado pelo G1, o MPF afirmou que acompanha o descomissionamento e que há uma Ação Civil Pública em curso na subseção de Poços de Caldas ajuizada em 2015. Além disso, há um Inquérito Civil para acompanhar especificamente a situação da barragem de rejeitos.

Ainda conforme o ministério, em 2018, “foi celebrado acordo judicial, cujo objetivo é obrigar a empresa ao descomissionamento e à execução de ações que assegurem a manutenção adequada do empreendimento até seu completo descomissionamento”. Esse processo está sendo acompanhado por meio de relatórios trimestrais.

Além disso, o MPF também instaurou um Procedimento Administrativo para acompanhar o cumprimento do acordo e um Inquérito Civil para acompanhar a situação específica da barragem de rejeitos.

(Fonte: G1)

Por |2019-02-28T16:37:50-03:0028 de fevereiro de 2019|Saúde no trabalho|Comentários desativados em Primeira barragem de urânio do Brasil: entenda os riscos de rompimento