Mudança no horário de trabalho deixa funcionários mais produtivos

Alguns anos atrás, cientistas realizaram um experimento em uma fábrica de aço da ThyssenKrupp na Alemanha. Eles designaram o turno do dia para os madrugadores e o turno da noite para quem não consegue ir cedo para a cama. Logo, os metalúrgicos, muitos dos quais estavam céticos no início, começaram a usufruir uma hora a mais de sono. Ao alinhar o horário de trabalho com o relógio interno individual, os pesquisadores ajudaram os trabalhadores a descansar mais e melhor.

– Eles dormem 16 por cento mais – quase uma noite inteira ao longo da semana. Isso é muita coisa – diz Till Roenneberg, cronobiólogo da Universidade Ludwig-Maximilian, em Munique, que dirigiu o estudo.

Nos últimos anos, educadores dos EUA vêm prestando mais atenção às necessidades de sono de seus alunos, com um debate crescente sobre atrasar o horário do início das aulas. Agora, uma série de empresas está seguindo o exemplo, incentivando seus funcionários a trabalhar quando estão mais despertos.

– Não dormir corretamente gera um encargo financeiro enorme – disse Roenneberg. – As estimativas estão próximas de um por cento do produto interno bruto tanto nos Estados Unidos quanto na Alemanha.

Novos experimentos revelam que cada um tem um momento ideal para adormecer e para acordar, um ritmo biológico personalizado conhecido como cronótipo. Quando você não dorme no momento em que seu corpo deseja – sua noite biológica –, você não dorme tão bem, ou dorme menos, preparando o cenário não só para a fadiga, o mau desempenho no trabalho e os erros, mas também para problemas de saúde, que vão de doenças cardíacas e obesidade até ansiedade e depressão.

Um total de 80 por cento das pessoas têm horários de trabalho que se chocam com seus relógios internos, disse Céline Vetter, professora assistente na Universidade do Colorado, em Boulder, e diretora do laboratório epidemiológico circadiano e do sono da universidade.

– O problema é enorme. Se considerarmos seu cronótipo individual e suas horas de trabalho, há grandes chances de que exista certo desalinhamento.

Coloque desta forma: se for preciso um despertador para acordar, você está fora de sincronia com sua própria biologia.

Estudos com funcionários do call center de uma empresa de telefonia móvel, de um fabricante de embalagens e de uma transportadora de petróleo mostram que esses funcionários são mais estressados e podem experimentar mais desconforto e dor relacionados ao trabalho. É a incompatibilidade – não as horas em si – o que importa. Um estudo de 2015 da Escola de Medicina de Harvard descobriu que, para quem dorme tarde, trabalhar durante o dia aumenta o risco do diabetes.

Entre as empresas que procuram remediar o problema está a Southwest Airlines, que permite que os pilotos escolham entre os horários de voo da manhã e os da noite. A Marinha dos EUA negociou recentemente uma programação de turno de submarinos de 18 horas para uma de 24 horas, que coincide mais com o ritmo biológico dos marinheiros. E em algumas empresas farmacêuticas, de software e de finanças, os gerentes esperam que os funcionários venham ao escritório por apenas algumas horas no meio do dia – ou trabalhem em outro local.

– Acho que o ritmo circadiano será uma grande questão para os recursos humanos no futuro – disse Camilla Kring, consultora dinamarquesa que ajudou os funcionários da AbbVie, da Roche, da Medtronic e de outras empresas a aprender a respeitar seus ciclos naturais de sono. – Realmente, faz sentido pensar no momento em que as pessoas têm mais energia e quando estão em um pico mental.

A fadiga do trabalhador influenciou muitos acidentes de trabalho, sendo os mais famosos deles a explosão da nave espacial Challenger e o derramamento de óleo do Exxon Valdez. Além disso, sem dúvida, muitos outros ocorreram no trajeto entre casa e trabalho. A administração de segurança rodoviária nacional estima que motoristas sonolentos causem 16,5 por cento dos acidentes fatais.

A privação do sono pode até levar a problemas éticos no trabalho. Em uma experiência de 2014, Christopher Barnes, da Universidade de Washington, e colegas pediram a 142 pessoas com cronótipos extremos que aparecessem em seu laboratório, podendo ser às 7 da manhã ou à meia-noite, para um jogo de dados que daria um prêmio de US$ 500. Os relatos se basearam em um sistema de honra. Os madrugadores mentiram 18 por cento mais quando fizeram a tarefa à meia-noite do que quando a fizeram pela manhã, e os que dormem bem mais tarde mentiram 16 por cento mais quando fizeram a tarefa às 7h.

Roenneberg coletou dados de 300 mil pessoas e descobriu que cronótipos funcionam como uma curva em forma de sino, com poucos indivíduos em cada extremo e a maioria em algum lugar no meio. De acordo com essa pesquisa, o cronótipo mais frequente – quase 13 por cento da população – dorme da meia-noite às 8h. Trinta e um por cento tendem a dormir naturalmente antes disso, e 56 por cento, mais tarde. Isso significa que, para pelo menos 69 por cento da população, chegar ao escritório entre 8 e 9 horas da manhã significa acordar antes que o corpo esteja pronto.

Mas o cronótipo determina mais do que o horário de dormir e acordar: ele gera picos e baixas de energia previsíveis ao longo das 24 horas.

O período circadiano baixo – as horas em que o corpo está menos adaptado à vigília – normalmente ocorre entre 2h e 6h. Há outra baixa menor, 12 horas depois, no meio da tarde.

Há também dois pontos altos, quando o pensamento está afiado e os reflexos, rápidos. Um ocorre uma ou duas horas depois do despertar, e o outro no início da noite. Esse ciclo ocorre mais cedo em uma pessoa diurna e mais tarde em uma pessoa noturna.

Nos escritórios dinamarqueses da empresa farmacêutica AbbVie, os funcionários elaboram horários de trabalho que se aproveitam de suas forças biológicas. Um programa de treinamento de nove horas os ajuda a identificar o melhor momento para projetos criativos ou desafiadores, tipicamente as manhãs para os madrugadores e as tardes para os notívagos. Os períodos de baixa energia são destinados a tarefas mais simples, como responder a e-mails e enviá-los ou desempenhar tarefas administrativas. Os funcionários economizam tempo de deslocamento até a empresa, evitando o tráfego na hora do rush, e podem ajustar melhor sua vida pessoal e profissional – por exemplo, saindo mais cedo para pegar os filhos na escola à tarde e então trabalhando em casa à noite depois que as crianças vão dormir.

De acordo com pesquisas da companhia, a satisfação dos empregados com o equilíbrio desses aspectos foi de 39 por cento 10 anos atrás para quase 100 por cento hoje, desde que o programa começou.

Sexta-feira em casa, no café ou na casa de veraneio

No ano passado, a divisão dinamarquesa da Great Place to Work, uma organização global que classifica companhias com base na satisfação do empregado, elegeu a AbbVie a melhor empresa de médio porte do país.

– A flexibilidade realmente possibilita que as pessoas deem o melhor de si – explica Christina Jeppesen, gerente geral da empresa.

Uma pesquisa de 2018 feita pela Sociedade de Gestão de Recursos Humanos, que representa 300 mil profissionais de RH em mais de 165 países, constatou que 57 por cento de seus membros oferecem horários flexíveis, 5 por cento mais que em 2014.

– Os gerentes que experimentam essas medidas muitas vezes acham que o moral, o engajamento e a produtividade dos funcionários sobem, porque trabalham em períodos ideais para eles, sendo capazes de obter o máximo do trabalho”, disse Lisa Horn, vice-presidente do grupo.

Algumas empresas restringem as reuniões a horas centrais, entre, digamos, 10h e 15h, para acomodar horários de vários empregados. Outras flexibilizam a semana de trabalho. Na Phase 2, uma companhia de desenvolvimento de software em Oklahoma City, cada semana termina com a “sexta-feira da produtividade”, quando se espera que os funcionários trabalhem a distância, no lugar de sua escolha, quer seja em casa, em um café ou em um imóvel de veraneio.

Stefan Volk, professor da Escola de Administração de Universidade de Sydney, sugeriu que as empresas aproveitem os cronótipos para maximizar o sucesso do grupo. Por exemplo, os membros de uma equipe de cirurgia devem ter cronótipos similares, porque precisam estar com sua atenção máxima simultaneamente. Mas, em uma usina nuclear, os trabalhadores devem ter picos de energia diferentes, para que sempre haja alguém alerta.

Porém, mesmo que muitas corporações prometam flexibilidade, abandonar o tradicional expediente das 9h às 17h exige uma mudança cultural. Um estudo de 2014 conduzido por Barnes mostrou que muitos gerentes dão preferência aos madrugadores, vendo-os como mais conscientes simplesmente porque chegaram cedo ao trabalho, um ponto de vista que poderia dissuadir alguns trabalhadores de adotar o horário flexível.

No entanto, manter o expediente tradicional pode ser contraproducente, produzindo o “presenteísmo” – os funcionários estão lá, mas são minimamente funcionais.

– As empresas estão desperdiçando o potencial de seu pessoal. Você tem alguém sentado lá das 7h até as 9h tomando café, sendo completamente improdutivo, e então você o manda para casa às 16h, no momento em que começa a ser produtivo – afirma Volk.

Para muita gente que trabalha em escritórios, a solução pode ser tão simples quanto um começo de expediente uma ou duas horas mais tarde – digamos por volta das 9h30 ou 10h. Como a maioria das pessoas está no meio-termo do cronótipo e acorda naturalmente por volta das oito ou nove da manhã, essa mudança modesta poderia garantir um alívio generalizado.

– Estamos falando de uma hora, não de uma revolução – diz Kring.

(Fonte: O Globo)

Por |2019-01-14T16:09:17-02:0014 de janeiro de 2019|Saúde no trabalho|Comentários desativados em Mudança no horário de trabalho deixa funcionários mais produtivos