Por que promover saúde no trabalho?

Por que promover saúde no trabalho?

Marcia Bandini

Esta série foi idealizada para discutir a promoção da saúde no ambiente de trabalho e incluir suas principais etapas de implantação e gestão. Para fins didáticos, a série foi dividida em (1) Por que promover saúde no trabalho?; (2) Competências dos promotores de saúde; (3) Como promover saúde no trabalho – estratégicas de sucesso; (4) Como avaliar programas de promoção da saúde no trabalho; e (5) Erros mais comuns das práticas de promoção da saúde no trabalho.

I.Promoção da Saúde e Trabalho

Existem várias definições de promoção da saúde que podem ser consideradas. Em 1920, Wislow descreveu-a como um “esforço da comunidade organizada para alcançar políticas que melhorem as condições de saúde da população e programas educativos para que o indivíduo melhore sua saúde pessoal”. Duas décadas depois, Sigerist propôs que a promoção da saúde seria “uma das quatro tarefas essenciais no exercício da medicina, junto com a prevenção de doenças, a recuperação dos doentes e a reabilitação”. Segundo Sigerist, “a saúde se promove proporcionando condições de vida decentes, boas condições de trabalho, educação, cultura física e formas de lazer e descanso”.

Em 1965, Leavell & Clark tornaram a promoção da saúde uma referência no seu modelo da história natural da doença. Segundo os autores, existem três níveis de prevenção, com cinco componentes nos quais se pode atuar. No período pré-patogênico, a prevenção primária é composta pela promoção da saúde e pela proteção específica. Na prevenção secundária, existem os componentes de diagnóstico e tratamento precoce da doença. Na prevenção terciária, há o componente da reabilitação. Leavell & Clark afirmaram que as ações para a promoção da saúde envolviam orientação nutricional, aconselhamento e educação em saúde, educação sexual, orientação sobre condições de moradia, trabalho e lazer. A Figura 1 representa o modelo de Leavell & Clark.

Embora seja didático e eficiente para muitas doenças, o modelo proposto por Leavell & Clark apresentou algumas limitações, em especial por ser focado nos indivíduos ou em pequenos grupos. O modelo mostrou-se limitado para doenças que dependiam de fatores externos como, por exemplo, doenças infectocontagiosas que precisam de melhores condições sanitárias para serem controladas. Isso levou vários autores a desenvolverem modelos alternativos nas últimas décadas. Entre os principais, destacam-se os modelos propostos por Dahlgren e Whitehead (1991) e por Marmot e Wilkinson (1999).

Os primeiros explicaram como diferentes condições determinam o processo de saúde-doença e propuseram um modelo em camadas (Figura 2). Do centro para fora, o modelo coloca fatores individuais como idade, gênero e fatores genéticos no centro. A camada seguinte representa os fatores comportamentais e o estilo de vida das pessoas como, por exemplo, tabagismo e alimentação pobre em nutrientes. Na próxima camada, estão fatores sociais e da comunidade que sofrem influências sócio-político-econômicas e que podem favorecer ou não a saúde. Em seguida, os autores apontam fatores como condições de vida e de trabalho, acesso ou não a serviços de saúde e ambientes favoráveis à saúde, educação, alimentação. No último nível, estão as condições econômicas, culturais e ambientais da sociedade como um todo. Nesse modelo, a sociedade pode, por exemplo, influenciar as escolhas de um indíviduo sobre moradia, trabalho e mesmo sobre hábitos como alimentação.

Em 1999, Marmot e Wilkinson publicaram seu modelo sobre as Determinantes Sociais de Saúde, onde discutem como a estrutura social afeta a saúde e a doença por meio de vias materiais, psicossociais e de comportamento. Para os autores, os fatores sociais, inclusive o trabalho, são as mais importantes influências sobre a saúde da população. A Figura 3 demonstra esquematicamente o modelo de influências descritos por Marmot e Wilkinson.

II. Promoção da Saúde no Trabalho, no Brasil

1. Alinhamento com as Conferências Internacionais de Promoção da Saúde

Como visto, a promoção da saúde e a importância dela no trabalho foram bem estudadas por diversos autores ao longo das últimas décadas. Na prática, o tema ganhou relevância a partir de 1986 com a I Conferência Internacional de Promoção da Saúde, realizada no Canadá. A Carta de Ottawa traz as cinco principais áreas de atuação da Promoção da Saúde, a saber: (1) a elaboração e a implementação de políticas públicas saudáveis; (2) a criação de ambientes favoráveis à saúde; (3) o reforço da ação comunitária; (4) o desenvolvimento das habilidades pessoais; e (5) a reorientação do sistema de saúde. Para a criação de ambientes favoráveis à saúde, a Carta define que as ações devem “envolver o trabalho, o lazer, o lar, a escola e a própria cidade”. Quanto ao desenvolvimento de habilidades pessoais, determina que é necessária a “divulgação de informações sobre educação para a saúde no lar, na escola, no trabalho e em qualquer espaço coletivo”. E também que “a organização social do trabalho deveria contribuir para a constituição de uma sociedade mais saudável”.

A III Conferência Internacional de Promoção da Saúde, realizada na Suécia em 1991, tratou de Ambientes Favoráveis à Saúde. A Declaração de Sundsval discutiu a interdependência da saúde e de todos os espaços nos quais as pessoas vivem, como a comunidade, o lar, o trabalho e o lazer. As Cartas de Promoção da Saúde foram publicadas pelo Ministério da Saúde , no Brasil.

2.Políticas Nacionais

Em 2005, o Brasil publicou a Política Nacional da Promoção da Saúde que tem por objetivo geral “promover a qualidade de vida e reduzir vulnerabilidade e riscos à saúde relacionados aos seus determinantes e condicionantes – modos de viver, condições de trabalho, habitação, ambiente, educação, lazer, cultura, acesso a bens e serviços essenciais”. Revisitada em outras ocasiões, uma nova Política foi anunciada pelo Ministro da Saúde em 2014. Entre seus objetivos específicos, os ambientes de trabalho estão citados em diversas partes da Política:

• Incentivo para a promoção de ambientes de trabalho saudáveis com ênfase na redução dos riscos de acidentes de trabalho e doenças relacionadas ao trabalho;

• Adoção de ambientes que favoreçam a alimentação saudável, o que inclui a oferta de refeições saudáveis nos locais de trabalho;

• Parcerias para estimular atividade física no ambiente de trabalho;

• Ações contínuas por meio de canais comunitários, inclusive em ambientes de trabalho, para manter um fluxo contínuo de informações sobre o tabagismo e seus riscos;

• Promoção de ambientes de trabalho livres de tabaco, o que inclui atuação junto aos profissionais da área de saúde ocupacional, para apoiar a cessação do tabagismo entre funcionários.

Em 2011, foi publicada a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho que tem por objetivos a promoção da saúde e a melhora da qualidade de vida do trabalhador e a prevenção de acidentes e de danos à saúde advindos, relacionados ao trabalho ou que ocorram no curso dele, por meio da eliminação ou da redução dos riscos nos ambientes de trabalho. Essa Política dialoga com a Política Nacional de Promoção da Saúde. Entre seus cinco princípios, destaca-se a precedência das ações de promoção, proteção e prevenção sobre as de assistência, reabilitação e reparação, bem como a inclusão de todos os trabalhadores brasileiros.

Por meio do Plano Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho – PLANSAT, são definidas as competências de diferentes Ministérios. Entre outras atribuições, cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego difundir informações que contribuam para a proteção e a promoção da saúde do trabalhador. Ao Ministério da Saúde, cabe fomentar a estruturação da atenção integral à saúde dos trabalhadores, o que envolve a promoção de ambientes e processos de trabalho saudáveis, o fortalecimento da vigilância de ambientes, processos e agravos relacionados ao trabalho, a assistência integral à saúde dos trabalhadores, reabilitação física e psicossocial e a adequação e a ampliação da capacidade institucional.

3.Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO

Há vinte anos, o PCMSO foi adotado como um programa que tem por objetivo a promoção e a preservação da saúde do conjunto dos trabalhadores (item 7.1.1, da Norma Regulamentadora no. 7). Desde sua adoção, o número de trabalhadores formais, cobertos pelo PCMSO, tem aumentado significativamente no Brasil. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), o número de empregos formais alcançou 47,4 milhões de trabalhadores, em 2013. Isso sem contar com outras categorias, como a dos servidores públicos, o que dá uma ideia do alcance dos exames médicos ocupacionais. Milhões de trabalhadores passam por avaliação médica todos os anos e oferecem uma excelente oportunidade para as ações de promoção da saúde.

No entanto, apenas uma minoria de pacientes recebe aconselhamento em promoção da saúde. Por exemplo, pesquisa conduzida nos Estados Unidos com 1.818 pacientes demonstrou que apenas 28% tinham recebido algum tipo de orientação médica para iniciar atividade física . Isso pode representar uma imensa perda de oportunidade, visto que se acumulam as evidências sobre o efeito positivo do aconselhamento médico voltado para a promoção da saúde. Maior motivação e confiança têm sido demonstradas entre pacientes que receberam orientação de seus médicos . Pessoas que recebem aconselhamento médico apresentam maior número de tentativas de parar de fumar, de melhorar a dieta e praticar atividade física .

No Brasil, estudo conduzido pelo Centro de Promoção da Saúde do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (CPS – FMUSP) demonstrou que o aconselhamento em promoção da saúde durante os exames periódicos, oferecido por médicos do trabalho treinados, aumentou a motivação – ou o estágio de prontidão para a mudança – para melhorar a alimentação com vista ao controle de peso e ao aumento da prática de atividade física .

Com base nessas evidências, não há dúvidas de que o PCMSO oferece uma ótima oportunidade para as ações de promoção da saúde dos trabalhadores.

III. O Papel dos Profissionais de Saúde

O Código Internacional de ética para os Profissionais de Saúde no Trabalho , elaborado e adotado pela Comissão Internacional de Saúde no Trabalho (International Commission of Occupational Health – ICOH), traduzido para o português pela Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), define que “a saúde no trabalho deveria objetivar: a promoção e manutenção do mais alto grau de bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores em todas as profissões; a prevenção, entre os trabalhadores, dos desvios de saúde causados pelas condições de trabalho; a proteção dos trabalhadores, em seus empregos, dos riscos resultantes de fatores adversos à saúde; a colocação e a manutenção do trabalhador adaptadas às aptidões fisiológicas e psicológicas, em suma: a adaptação do trabalho ao trabalhador e de cada trabalhador à sua atividade”.

O principal foco da Saúde no Trabalho deve estar direcionado para três objetivos: a manutenção e a promoção da saúde dos trabalhadores e de sua capacidade de trabalho; o melhoramento das condições de trabalho, para que elas sejam compatíveis com a saúde e a segurança; o desenvolvimento de culturas empresariais e de organizações de trabalho que contribuam para a saúde e a segurança e promovam um clima social positivo, bem como favoreçam a melhoria da produtividade das empresas. Por isso, os objetivos primários do exercício da Saúde no Trabalho são salvaguardar e promover a saúde dos trabalhadores, promover um ambiente de trabalho seguro e saudável, proteger a capacidade de trabalho dos trabalhadores e seu acesso ao emprego.

Quando engajados em atividades de educação para a saúde, promoção de saúde, detecção precoce de doenças (screening) e programas de Saúde Pública, os profissionais de Saúde no Trabalho devem buscar a participação tanto de empregadores como de trabalhadores, para o planejamento desses programas e para sua implementação. Devem também proteger a confidencialidade dos dados pessoais de saúde dos trabalhadores envolvidos e evitar que se faça mau uso deles.

Segundo a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), a Medicina do Trabalho é a especialidade médica que lida com as relações entre homens e mulheres trabalhadores e seu trabalho, e visa não só à prevenção dos acidentes e das doenças relacionadas ao trabalho mas também à promoção da saúde e da qualidade de vida. No escopo dessas responsabilidades estão incluídas: a mediação de uma interação positiva entre os trabalhadores e seu trabalho; a articulação entre as necessidades individuais e coletivas dos trabalhadores e as necessidades sociais, econômicas e administrativas da produção; a promoção da saúde e a prevenção da doença; a assistência aos acidentados ou vítimas de agravos relacionados ao trabalho, o que inclui os cuidados de emergência e a reabilitação física e profissional.

As competências básicas requeridas para o exercício da Medicina do Trabalho , no Brasil, podem ser sumariadas em cinco grupos:

I – Estudo do Trabalho;

II – Atenção integral à saúde dos trabalhadores (nível individual e coletivo), inclusive a promoção e a proteção da saúde, a prevenção da doença e a assistência;

III – Formulação e implementação de Políticas e Gestão da Saúde no Trabalho;

IV – Produção e divulgação de conhecimentos técnico-científicos, estabelecimento de protocolos e de normas de procedimentos;

V – Educação permanente: saber estudar e manter-se atualizado.

IV – Impactos da Promoção da Saúde no Trabalho

Sob a perspectiva dos empregadores, a promoção da saúde no trabalho tem se mostrado uma área de grande interesse. Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de 90% das empresas com mais de 50 empregados tem ações voltadas para a promoção da saúde e do bem-estar. No Brasil, esse número tem aumentado nas últimas décadas. Em publicações que listam as melhores empresas para se trabalhar no Brasil, a imensa maioria oferece programas dessa natureza. Os principais motivos alegados pelos empregadores para investirem na promoção da saúde no ambiente de trabalho são: (1) atração e retenção de talentos; (2) aumento da produtividade e (3) redução de custos médico-hospitalares.

De fato, com a estabilidade econômica conquistada nas últimas décadas e o crescimento de algumas áreas de atividade econômica como, por exemplo, as ciências da computação, as áreas de entretenimento e serviços, os salários estão cada vez mais equalizados. Por isso, a escolha de muitos trabalhadores recai sobre o pacote de benefícios oferecido pelos empregadores. Nesse sentido, os programas de promoção da saúde e do bem-estar parecem pesar nas decisões sobre o melhor lugar para se trabalhar.

Sobre o aumento da produtividade, muito se tem discutido nas últimas décadas e seria correto afirmar que há uma correlação entre trabalhadores saudáveis e produtividade. No entanto, é importante avaliar que existem outros fatores que impactam o desempenho no trabalho e, por consequência, a produtividade. Michael O´Donnell desenvolveu um modelo sobre o impacto da saúde na produtividade e no lucro (Figura 4), que pode ser muito útil para os profissionais de saúde. Nesse modelo, a produtividade depende diretamente do desempenho que, por sua vez, é influenciado por outros fatores como absenteísmo, capacidade física e emocional de trabalhar, clima organizacional, relacionamentos e o desejo de trabalhar.

Observações recentes parecem mostrar que o engajamento dos trabalhadores é um fator determinante para um melhor desempenho. Assim, programas de promoção da saúde e do bem-estar parecem influenciar o desempenho seja pela melhor condição de saúde para se trabalhar, seja por aumentar o engajamento das pessoas que aderem a esses programas.

Os impactos financeiros da promoção da saúde, na redução das despesas médico-hospitalares, tem sido objeto de pesquisa há, pelo menos, três décadas, em especial nos Estados Unidos, onde os custos com assistência médica têm um peso significativo nos pacotes de benefícios oferecidos aos trabalhadores. Além disso, as despesas médico-hospitalares não acompanham as taxas de inflação do país. No Brasil, em 2012, enquanto o IPCA foi de 6,87%, a chamada inflação médica bateu na casa dos 13%. Em 2001, Aldana revisou 24 estudos sobre impactos financeiros da promoção da saúde. Destes 88% apresentaram redução dos custos médico-hospitalares, com média de US$ 3,35 de retorno de investimento para cada dólar investido (variação de US$ 2,30 a 5,90). Então, apesar da ausência de evidências no Brasil, parece razoável concluir que tais programas têm potencial de impacto financeiro positivo.

V- Considerações Finais

Não bastassem os motivos elencados neste artigo, vale lembrar que promover saúde no trabalho, ou em qualquer ambiente onde assim seja possível, é a coisa certa a fazer. é um direito dos trabalhadores, agrega valor ao trabalho dos profissionais de saúde e traz benefícios para todos, inclusive os empregadores. Assim, vale lembrar que a participação de todos os atores sociais envolvidos é de suma importância para o sucesso das ações de promoção da saúde, mas isso será objeto de discussão mais detalhadas nos próximo artigos.

Motivos para Promover Saúde no Trabalho:

1. Estudos de Saúde Pública demonstraram, em vários modelos, a importância do trabalho no processo saúde-doença e da promoção da saúde.

2. A promoção da saúde no trabalho está prevista na Política Nacional de Promoção da Saúde, na Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho e na Norma Regulamentadora nº 7, que dispõe sobre o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO.

3. Promover saúde é papel do(a) Médico(a) do Trabalho, segundo as Competências Requeridas – publicadas pela Associação Nacional de Medicina do Trabalho – e segundo o Código de ética para os Profissionais de Saúde no Trabalho, elaborado e adotado pela Comissão Internacional de Saúde no Trabalho (ICOH).

4. Quase 50 milhões de trabalhadores brasileiros passam por exames médicos ocupacionais todos os anos, o que representa uma excelente oportunidade para as ações de promoção da saúde.

5. Estudos mostram que o aconselhamento em promoção da saúde aumenta a chance de pacientes/trabalhadores adotarem hábitos/comportamentos mais saudáveis.

6. Programas de promoção da saúde e bem-estar parecem aumentar o engajamento dos trabalhadores participantes, melhorar as condições de saúde e, consequentemente, melhorar a produtividade.

7. Embora não haja comprovação no Brasil, estudos internacionais sugerem que programas de promoção da saúde têm potencial de reduzir custos diretos e indiretos, como despesas médico-hospitalares e absenteísmo.

Texto publicado originalmente na Revista Proteção de Novembro de 2014. A versão completa do artigo, com imagens, tabelas e referências, por ser visualizada aqui

Por |2014-11-11T14:32:57-02:0011 de novembro de 2014|Notícias|Comentários desativados em Por que promover saúde no trabalho?